O Lugar do Outro
“Chovia torrencialmente, naquele final de tarde igual a noite cerrada e fim de mundo. Não conhecia bem a estrada. Uma longa língua escura, com um traçado que de estranho parecia ainda mais perigoso e sinuoso. O limpa-para-brisas no máximo, a visibilidade no mínimo. Nisto, visibilidade nula. A chuva, de tão intensa e grossa, assustava-a. Abrandou o ritmo, mas não desacelerou o perigo nem o susto. O coração tremia-lhe forte. Sentia-se próxima de uma catástrofe. As luzes vermelhas dos carros da frente eram verdadeiros sinais de perigo. Mais ainda as dos condutores mais extremosos que, ligando as luzes de nevoeiro, aumentavam o tamanho das melancias encarnadas, de sangue vivo anunciando perigo, sem saber que o fomentavam e potenciavam. – Por alguma razão se chamam luzes de nevoeiro e não luzes de chuva – apetecia-lhe gritar. Mas não gritou. Calou. Como sempre. Calou.” (in Contidianos, Conto I, O Lugar do Outro)